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quinta-feira, 24 de março de 2016

Con te partirò su navi per mari 2

E hoje, vinte e quatro de março de dois mil e dezesseis, faz um ano que embarquei naquele imenso e lindo navio rumo ao desconhecido. E ainda hoje, escutar a música Con te Partiro do Andrea Bocelli me arrepia e me enche de lembranças e sensações indescritíveis. Sempre que navio partia de um porto, a buzina tocava algumas vezes e logo em seguida essa música começava a tocar por todo o navio. Era o aviso de que o navio estava em movimento! Os tripulantes corriam para o deck para assistir o navio se afastando e a terra ficando cada vez mais longe.

Foto: Arquivo pessoal / Fortaleza
Fortaleza foi a última parada em solo brasileiro, o deck estava concorrido, todos queriam acenar para o Brasil que ficava para trás. Andrea cantava a plenos pulmões con te partirò su navi per mari che io lo so, no non esistono più, con me e eu chorava. Ali, naquele momento, eu percebi o que estava fazendo: estava deixando para trás não apenas o solo brasileiro, mas tudo o que me era conhecido. Um mar me separaria da minha família, dos meus amigos, do meu trabalho, da minha comida, da minha música, dos meus bares, da minha praia, do meu sol...e daquilo que eu sempre chamei de minha vida
Dramática como sou, não poderia ter escolhido maneira melhor de imigrar. Apesar dos medos que me invadiram ali, naquele momento, eu sabia que no final tudo daria certo! Meus avôs também viram a Espanha ficar pequenininha enquanto o navio partia, eles também deixaram o conhecido para trás e venceram. O sangue é forte, e como diz minha mãe a fruta não cai longe do pé. 
O que viria depois da longa viagem - foram vinte dias de navio e quinze atravessando a Europa em um mochilão, não havia lido em manual algum. A decisão de vir para a Finlândia foi racional, Mikko queria trabalhar na sua área. Como um casal, sentamos e conversamos quais as opções que tínhamos, decidi que aproveitaria para estudar. E era o plano. Mas a vida quis bagunçar tudo. Eu não passei na segunda e última fase do mestrado, inglês e eu nunca fomos grandes amigos e o nervosismo da entrevista que foi feita via Skype em um café em Alicante, Espanha, deixou isso claro para os professores da universidade. 
Lembro de estar em Varsóvia junto das pessoas que nos receberam em sua casa, rumo a uma noite de diversão, quando li o email que dizia desculpe, você não foi selecionada. Vi o mundo abrir baixo meus pés, e a única coisa que minha cabeça era capaz de pensar era e agora, o que eu vou fazer na Finlândia? Perdi a vontade de conversar e rir, só queria correr e pegar o primeiro avião rumo ao colo da minha mãe. Mas precisei ser forte, engoli o choro e abri um sorriso. Iria aproveitar a noite, a companhia e a viagem, depois me preocuparia com o resto da minha vida.

Nós e os poloneses
E foi assim que a vida me alertou que eu precisaria ser forte! E precisaria aprender a viver sozinha, cortar o cordão umbilical, sabe? Acho que a vida queria me mostrar até onde eu sou capaz de chegar e por isso puxou meu tapete, me fez refazer planos. E eu estou chegando, vida! Meu inglês meia boca evoluiu tanto a ponto de eu assistir filmes e seriados sem legenda, de conversar horas com amigos de diversas partes do mundo, de ler livros e matérias em inglês. Comecei a aprender uma quarta língua, o finlandês. Descobri que o que eu quero estudar no mestrado não é formação docente, é o bilinguismo. Voltei para a vida voluntária e estou muito ansiosa para receber a minha família de refugiados, cuja casa eu estou arrumando com muito carinho e língua estou me esforçando para aprender alguma palavrinhas. 
Imigrar é dolorido, se adaptar em um novo país e em uma nova cultura é difícil, fazer amigos é complicado, aprender uma nova língua é demorado, chorar é comum, mas que graça teria se tudo fosse fácil?
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