Conviver em sociedade está se tornando algo complicado, como já disse minha querida Popozuda é tiro, porrada e bomba de todos os lados. A cada dois passos um grito Pêtralha! Zé Tucano! Coxinha! Pão com mortadela! Esquerda caviar! Elite! E eu, que não gosto de coxinha nem de mortadela, e caviar só ouço falar, fico aqui com o guarda chuva aberto para me proteger das chuvas de saliva que podem me acertar.
A revista está aberta e, invés de um novo tutorial de maquiagem, estou olhando para a foto de um casal sendo seguido por uma moça de branco empurrando um carrinho de bebê. São gêmeos. Como no livro do Harry Potter, frases começam a surgir frente aos meus olhos e eu fico confusa. A primeira reação é revolta por quê precisam de alguém para cuidar de seus filhos no domingo, quando ambos estão em casa? Por quê a babá está de uniforme? Por quê levaram a babá e as crianças para a manifestação?
Uma pequena viagem ao meu passado me mostra como ter alguém limpando sua casa era normal, todos os amigos tinham e eu também. Mas babá era diferente, babás eram caras e por isso as mães - o papel de cuidar dos filhos sempre cai sobre as mães, abriam mão de eventos e hobbys para estar perto de suas crias. E, além disso, a sociedade sempre nos ensinou que foi bom para fazer? Então agora cria! Mas e se é a babá que cria, a babá que deveria ser chamada de mãe?
Não me é mais normal ter alguém limpando meu banheiro, se eu sujei eu limpo. Mas sei que para muitos ao meu redor é necessidade básica, talvez seja apenas para contar para os amigos. Sim, pagar para limparem sua bagunça é status. Quem não tem dinheiro para pagar o ônibus vai ter para contratar diarista?
Pensando no passado brasileiro chego no ano de 1888, apenas 128 anos atrás, quando a escravidão foi abolida. Até 1888 quem tinha dinheiro, tinha escravo. Quanto mais escravo, mais dinheiro. Quanto mais dinheiro, mais prestígio. Bem, em 1888 a lei Áurea foi assinada, mas como os senhores iriam sobreviver fazendo trabalhos que antes eram executados por escravos? Com certeza, isso seria se rebaixar. Pagar pequenos salários para que sigam trabalhando engraxando seus sapatos, cozinhando seu almoço, arrumando sua cama e cuidando de seus filhos foi a solução. É histórico, eu percebo, querer que alguém faça trabalhos domésticos por você. E todas essas heranças culturais são difíceis de mudar.
O casal da foto não está inovando nem burlando leis, está seguindo a cultura. Eles incomodaram os que queriam pagar babás mas não tem dinheiro suficiente e os que estão lutando para quebrar essa cultura histórica. A culpa não é deles, como ter alguém limpando minha casa era normal para mim, pagar para que criem seus filhos é normal para eles. A culpa não é da babá, ela precisa de dinheiro e para isso trabalha até aos domingos. A culpa é da sociedade que evolui a passos lentos, que valoriza mais o ter que o ser e que aponta demais o dedo antes de ver se seu umbigo está limpo.
Ps: A foto da revista com frases à la Harry Potter não está no post por respeito aos três protagonistas.
Ps2: Mudar dói, olhar para fora da nossa caixa dói, assumir que aquilo que era normal para nós é errado dói, mas é preciso passar por essas dores para nos tornarmos cidadãos melhores.