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terça-feira, 30 de junho de 2015

Invisíveis. Sobre a redução da maioridade penal.



Eu e uma de minhas crianças
Eu tive sorte. Nunca senti falta de nada. Até em escola particular eu estudei! Fiz aulas de natação, de judô, de dança (não contei nesse post mas eu fiz aulas de folclore espanhol e também axé!) e de línguas. Sorte essa que muitos não tem. E não terão enquanto o básico educação, saúde, alimentação e segurança forem vistas como sorte e não como direito assegurado. 
Durante pouco mais de um ano tive o prazer de conviver com crianças que nasceram sem metade da minha sorte, eu estava lá para ensiná-las mas quem me ensinou foram elas. A cada dia minha bolha ia se desfazendo e eu ia conhecendo um mundo que meu cabresto nunca havia me deixado ver antes.
Todas as manhãs seguia um ritual sagrado: dar banho em algumas crianças que tinham um cheiro tão desagradável que chegavam a se excluir das outras (ou eram excluídas pelas outras). Muitas companheiras faziam o mesmo mas outras criticavam "a mãe não dá banho porque sabe que você dá", mas será que era isso mesmo? E se fosse, eu ia deixar uma criança suja só porque a mãe era "porca"? Com o tempo fui aprendendo que aquela mãe não dava banho em seu filho porque ela não tinha banheiro em casa, porque só tinha água gelada e no inverno isso ia judiar do pequeno, porque tinha tanto vão entre as madeiras que ventava dentro de casa... As razões eram inúmeras. Algumas crianças eram filhas de usuários de drogas, em especial o Crack, lembro de ver um pequeno de 3 anos brincava de fumar pedra usando um graveto como cachimbo (até a expressão de prazer depois de inalar ele fazia!). Outras emagreciam durante as férias porque não tinham muito o que comer em casa.
Lembro de uma casa que fomos, lá vivia um menino super problemático que deixava todas as professoras enlouquecidas. Ele batia nos colegas, respondia os responsáveis, não queria participar das atividades propostas... Mas eu tinha (e ainda tenho) um amor imenso por ele, sempre que podia o chamava para ficar no meu colo, para ganhar um carinho - ele adorava! Na casa viviam 4 adultos e 3 crianças - se bem me recordo - ela era de madeira e tinha apenas um cômodo com um colchão e algumas caixas de papelão abertas espalhadas com cobertores pelo chão. Cada uma dessas caixas eram chamadas de cama pelas crianças. Não tinha banheiro, nem pia, nem chuveiro, nem água encanada, nem geladeira, nem comida, nem brinquedos, nem um armário cheio de roupas ou computador, tv e rádio. Era apenas um lugar para se proteger do frio, da chuva, do vento. Mas era um lar. Lembro também de ter ido naquele mesmo ano a formatura de ensino médio de minha prima e ter chorado, não apenas pela felicidade da minha prima mas pelo futuro das minhas crianças. Me perguntava se elas um dias teriam uma formatura tão bonita quanto aquela. Me perguntava também quantos chegariam a completar 17 anos (em 2012 morreram 10.155 crianças/jovens no Brasil por causas externas - não doença. Uma pequena nossa de 5 anos que havia levado um tiro no braço durante as férias, ) e se iriam completar os estudos. Eles eram tão pequenos e já precisavam lutar para sobreviver, desde cedo descobriam que a vida não iria sorrir para eles com a mesma frequência que ela sorri para mim. 
Aprendi, da maneira mais forte que pode existir, que o Estado não liga para nós. Eles proíbem o aborto porque protegem a vida. Quanta hipocrisia! A vida é protegida e zelada até o momento em que o pequeno nasce depois disso é um salve-se quem puder. Não importa se você tem comida, esgoto e água encanada em casa. Não importa se sua escola está bem estruturada e se seus professores são capacitados e estão motivados. Não importa que a violência ronde sua morada todos os dias. O que importa é que você teve seu direito de vir ao mundo garantido e que logo você irá fazer parte do mercado de trabalho e contribuirá para o crescimento do país, caso contrário será preso e excluído da sociedade. 
Por ter visto o problema desde a raiz eu afirmo com orgulho que faço parte de uma minoria, aproximadamente de 20% da população, que é contra a redução da maioridade penal. Eu não quero minhas crianças atrás das grades pelo simples fato de terem nascido sem sorte. Quero uma sociedade que olhe para o outro, que proteja a criança que ainda está no ventre e que continue protegendo-a depois! Essas crianças precisam ter oportunidades para mudarem o rumo de seu futuro e educação é a melhor arma que elas poderiam ter. Por quê não utilizam o dinheiro que seria gasto para construir novos presídios na educação? Por quê não gastam tempo e energia discutindo reformas no nosso sistema prisional visando reintegrar o criminoso na vida social diminuindo assim os índices de reincidência?
As pessoas que levantam a bandeira da maioridade penal demonstram desconhecer duas coisas: o fato de que menores infratores ficam reclusos em Instituições de Atendimento Socioeducativas que em muitos aspectos se assemelham com os presídios e a triste realidade de vulnerabilidade social em que crescem muitos desses menores (75% dos internos são usuários de drogas, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça, como é o caso dos meninos que estupraram as quatro meninas no Pará e 89% dos menores em conflito com a lei não chegaram a concluir o Ensino Fundamental).


Para te convencer a dizer não

O Estatuto da Criança e Adolescente prevê seis diferentes "punições" ao menor infrator (Art. 112) sendo elas advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semi liberdade e internação em estabelecimento educacional. A pena varia de acordo com a infração cometida, é importante ressaltar que se o menor for portador de doença ou deficiência mental receberá tratamento especializado.  O ponto de maior interesse aqui é a internação pois, de todas as advertências, é a que mais se aproxima de um sistema prisional. Atualmente o tempo máximo que um menor pode passar internado é de três anos (uma das propostas do Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo é aumentar o tempo máximo de internação para oito anos quando se tratar de crimes hediondos - eu acho uma ideia ótima), passados os três anos o adolescente poderá ser liberado ou completar sua pena em liberdade assistida ou regime semi aberto (cada uma das medidas são de no máximo três anos cada, somadas resultam em nove anos de pena).
De acordo com um relatório realizado pela Ouvidoria da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República em 2013 apontam que apenas 2,55% dos crimes foram cometidos por adolescentes entre 12 e 17 anos,e desses, apenas 0,013% foram crimes contra a vida.  Uma parcela bem pequena não é?
Apesar de sermos uma pequena parcela da população ainda acredito que o NÃO possa vencer. Precisamos mudar o foco, precisamos dar oportunidades às nossas crianças: oportunidade de acesso à saúde, educação, saneamento básico, moradia, alimentação e segurança. Precisamos nos certificar que eles não seguirão os caminhos da droga, que não abandonarão os estudos e que poderão sonhar com um futuro e fazer com que seus sonhos se realizem!
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